I shot you down

_No que você está pensando?
Era uma pergunta ridícula, mas era a única que eu podia fazer entre todas as outras perguntas possíveis pra quebrar aquele silêncio que já durava bons cinco minutos. Enquanto ela estava deitada no chão ao meu lado, observando a Lua gigante, eu esperava a resposta. Ela mantia-se atenta a qualquer coisa, menos a nós.

_Tô pensando em tudo. Pensando em como tudo mudou. Em como as coisas mudam.

Eu pensei em dizer que "a gente muda o mundo na mudança da mente" ou fazer qualquer citação a músicas ruins que ela entenderia e que  certamente faria com que ela pelo menos olhasse pra mim e quebrasse aquela distância que já se estendia por quilômetros, apesar de estarmos lado a lado.
Mas eu não disse nada. Eu continuei olhando pra Lua, ouvindo Nancy Sinatra falar baixinho no meu celular alguma coisa sobre brincar de cowboy, e dando o tempo que ela precisava pra dizer tudo aquilo que eu sabia que ela queria dizer.
Não demorou muito.

_...Eu fui a mesma coisa por tanto tempo, e agora toda vez eu sou uma coisa diferente... - ela se aproximou, encostando a cabeça no meu peito.

_E todas as suas versões são chatas. Você sabe disso, né? - Eu quis aliviar, porque sabia onde ia dar essa história.


_Sei, claro. E você ama todas elas mesmo assim - ela sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. - Você me ama, né? Ou pelo menos gosta um pouquiiiinho assim de mim, né?

_Claro que amo. Você sabe. Eu não estaria aqui se não gostasse pelo menos um pouquiiiiinho de você.

Ela ia falar alguma coisa, mas parou no meio do caminho, como se estivesse pensando melhor no que dizer, coisa raríssima nela. Fechou os olhos e ficou assim por algum tempo. Uma das mãos no meu peito, a outra pra trás, numa pose meio contorcionista, meio masoquista.

_E vai continuar assim... Depois de tudo? Quando a gente não for mais do jeito que somos hoje... Quando você mudar, quando você se mudar... - ela parecia tensa esperando a resposta.

Eu sorri também. Então era isso. Ela não precisava falar mais nada.

_Você é minha melhor amiga, apesar de tudo. E a gente ama os melhores amigos, não ama?

_É, acho que sim. A gente sente raiva, a gente briga, a gente quer dar uns murros... Mas a gente ama. Ama sim.

_Apesar de tudo.

_Apesar de tudo.

Eu a abracei, sabendo que aquele poderia ser o último. Não de todos, mas em um bom tempo. Um tempo longo demais para quem estava acostumado a não ter que esperar tempo nenhum. Ela parecia mais leve e finalmente relaxou no meu abraço.
Ficamos um tempo assim, em silêncio, só ouvindo a música que saia do meu celular, até que ela, desvencilhando-se do meu abraço, se sentou sem olhar para mim.
Eu soube que ela estava chorando, mas decidi não falar nada. Tive medo de chorar também.
Olhei pro relógio e vi que já era quase três da madrugada. Ela pareceu ler meus pensamentos.

_Hora de ir pra casa, né? - ela prendeu o cabelo e se pôs de pé, piscando os olhos muito rápido, mas sem lágrimas aparentes.

Eu ainda demorei um pouquinho.  Nancy Sinatra havia decidido falar comigo.
Era a segunda conversa difícil na mesma noite.

"Bang bang, I shot you down
Bang bang, you hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, I used to shoot you down
Music played and all people sang
Just for me the church bells rang"



__________

Das despedidas de 2012 essa foi a que mais me doeu ♥

Comentários