Love is kinda crazy with a spooky little girl like you

_Cansei!

Ela se jogou na cama de costas enquanto ele se ocupava de colocar um pouco de ordem naquele lugar: Sacolas em cima da mesa, chaves no chaveiro e - finalmente! - o corpo dele esparramado na cama ao lado dela (Não olhem como se fosse injusto: Ele também tinha ido na maratona infernal de compras, não tinha? E tinha segurado todas as sacolas enquanto ela escolhia entre trinta sapatos iguais, trinta lenços desnecessários e trinta blusas que ele jamais deixaria que ela comprasse caso fosse esse tipo de cara que acha que tem direito a mandar em alguma coisa. Era mais do que justo ele também se jogar na cama!)
_Tira o sapato antes de deitar na cama... - ele ouviu a voz dela.
_Impossível. Acho que meus pés e meus sapatos são uma coisa só agora...

Ela rolou até o lado que ele ocupava na cama. Colocou aqueles dois grandes olhos castanhos e ainda animados na frente dos dele e disse com a voz mais animada que tinha:
_Foi um bom dia, não foi?

Ele fechou os olhos pra revisar o dia: Tinha acordado cedo com uma música alta e absurdamente cafona ("Você", do Tim Maia) que ela havia decidido ouvir aquela manhã. Tinha sido obrigado a tomar café numa padaria, porque ela não queria ter louça pra lavar num sábado pela manhã (um pão na chapa e um café puro pra ele, um pão com queijo e um pingado pra ela). Havia sido convencido a ir até uma livraria para que ela pudesse escolher alguns livros novos. E, por último mas não menos torturante, a maratona de compras infernais de Natal. Feita em outubro. Durante quase seis horas.
Se ele tivesse que definir aquele dia... Certamente "bom" não teria sido a palavra escolhida.

_É...

Ele fechou os olhos e cobriu o rosto com uma das mãos. Ela pareceu não notar o desânimo.
_É incrível o poder das compras antecipadas, né? Já tô feliz só por não ter que ir em nenhum shopping até o Natal!

Mas... Peraí... Não haviam sido as compras de Natal? Eles não tinham passado o dia entrando e saindo de lojas, comprando presentes para todas as pessoas que conheciam, pra justamente não terem que pisar numa loja até - pelo menos - o Ano Novo?
Ele poderia até argumentar, mas estava cansado demais pra isso, então apenas disse "Claro..." ainda de olhos fechados.

Sentiu que ela havia se levantado da cama, mas continuou de olhos fechados. Com sorte poderia tirar um cochilo até ela decidir o próximo grande projeto do dia - tipo jantar num restaurante árabe que ficava do outro lado da cidade.

Eles estavam morando juntos há dois anos e era sempre a mesma coisa: Ele nunca sabia como seria.
Em alguns dias ela acordava bem disposta e feliz, dando graças ao amor, à vida e a tudo que havia de bom no mundo... E esses dias ela era capaz de TUDO.
Em outros ela simplesmente parecia não acordar: Suas respostas limitavam-se a "hmmm-hmmmm" e "hmm-rummms" e qualquer frase maior do que essa era dita com o mais puro sarcasmo que a humanidade já conheceu. E sim: Ela também era capaz de tudo nesses dias.

_Foi um bom dia, não foi? - ele se sentiu no meio de um deja vù e apenas por isso tirou a mão dos olhos. Não se arrependeu nem um pouco.
Ela vestia uma das camisetas que havia comprado durante o dia. E só. Tinha uma expressão divertida no rosto.

_É... Até que foi, viu?
_E se eu te disser que a noite vai ser melhor? - ela começou a desabotoar a blusa e caminhou na direção dele.

Definitivamente ele se surpreendia com ela. Todos os dias. O tempo todo.
Mas ela, ao contrário, conhecia cada reação dele, cada detalhe e sabia o que tinha que fazer para obter exatamente o que queria. Era injusto, se ele parasse para pensar - coisa que ele não faria naquele momento porque, naquele momento, ele só conseguia pensar em como as coisas eram melhores assim.
Ela sabia tirar um proveito muito maior do conhecimento que possuia.

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