Erase and rewind 'cause I've been changing my mind

01. Foi aquele dia em que você e eu saímos pra tomar uma cerveja ali perto da Vergueiro e nós dois discutimos porque, apesar de estarmos juntos há seis meses, você ainda não tinha parado de usar os termos “minha princesa” pra se referir a mim mesmo eu tendo dito que 1. Não era “sua”; 2. Meu pai não é um rei; 3. Fala sério, puta que pariu, custa parar de me tratar como se eu fosse um bibelô sem a menor capacidade de escolher o que eu quero? Nem isso justificaria você falar “porque você é minha princesa” toda vez que você pede a porcaria da cerveja antes de perguntar o que eu quero. E se eu quisesse, sei lá, uma tequila? E não, não importa que eu não bebo tequila. Eu poderia começar a beber, não poderia? 
Naquele dia eu saquei que, muito além de eu não querer “sua princesa”, eu não tava bem certa se queria ser sua qualquer coisa.

02. Foi aquele dia em que você passou o domingo na minha casa, nós dois dormimos vendo algum filme na minha cama, eu me mexi demais como sempre e, quando eu acordei, você estava sentado na minha cadeira, mudando de canal meio entediado, e demorou uns 10s a mais pra voltar pra cama comigo depois de eu voltar pra posição original, aí quando você deitou, não deu os dois tapinhas na cama pra eu ir pro seu lado e me aconchegar no seu peito e, quando eu o fiz, você disse que eu era folgada. E não foi de brincadeira.

03. Foi aquele dia em que eu te chamei pra ir comer o pavê de doce de leite da Casa Garcia e você me disse “Você só quer sair comigo pra comer?” e eu percebi que, mesmo a gente saindo há quase cinco meses, eu ainda usava com você a minha tática de sair primeiro pra comer porque, se a noite estiver muito, muito, muito ruim, pelo menos a comida seria uma coisa boa na noite.

04. Foi aquele dia em que eu fui pra sua casa e sua irmã, que tinha sido coincidentemente despachada pra casa do namorado dela deixando a casa livre pra gente, apareceu de madrugada, meio bêbada e ficou ouvindo Careless Whispers pra desconcentrar a gente de propósito e eu ouvi ela dizer “Sou team fulana” (e fulana era o nome da sua ex namorada) quando você se levantou meio puto pra parar com aquela palhaçada.

05. Foi aquele dia na festa na sua casa, naquele sábado meio frio, quando eu me senti meio triste, peguei uma cerveja e me sentei na porta da sua cozinha, e você se aproximou, meio altinho de cerveja, e colocou a mão no meu ombro começando a fazer uma piadinha sobre eu ser antissocial, mas parou ao ver que eu tava com uma cara de choro. Aí eu só apoiei a cabeça no seu ombro, dei uma fungadinha de choro que saiu esquisita até para os meus padrões e a gente deu uma risada meio falsa, porque foi realmente um barulho bem esquisito, e depois a gente não falou mais nada por uns 5min, até você perguntar se eu queria ir me deitar.

06. Foi aquele dia em que você estava parado do lado de fora do bar, segurando com a mesma mão o copo e o cigarro, e eu me peguei observando fascinada você fazer aquele gesto banal por uns trinta segundos e só parei quando você percebeu que eu tava ohando e deu uma piscadinha pra mim. E ai meu coração bateu tão rápido que se eu fosse um pouquinho mais hipocondríaca eu teria achado que tava morrendo ou algo do tipo, e eu fiquei tão vermelha que ainda não tinha voltado ao normal 5min depois, e não voltei pelo resto da noite depois de você me beijar.

07. Foi quando você e eu passamos uma madrugada inteira conversando, mesmo você tendo que ir viajar na manhã seguinte e eu tendo que, sei lá, acordar cedo sem motivo porque eu sou esse tipo de retardada. Foi quando eu consegui falar com você sobre coisas que nem meus amigos sabiam naquela primeira noite, e não foi porque eu não ia te conhecer jamais, mas porque no fundo eu desconfiei que, daquele dia em diante, você talvez me conhecesse mais do que qualquer outra pessoa no mundo. E eu não senti nenhum medo disso.

08. Foi quando você saiu da zona leste pro meu aniversário, num bar de samba (que você não curte porque não dança), numa noite de sábado com uma chuva tão forte e constante que tinha sido meio difícil pra mim, que fui de carro, chegar até o lugar. E você foi. De metrô. E táxi. E andou um bocado porque parte da rua tava alagada, depois eu descobri. E ainda respondeu pra uma amiga em comum que zombou da sua jornada épica pra chegar até lá que, por mim, você iria em qualquer lugar.

09. Foi quando você passou na minha casa numa noite de terça em que eu estava completamente triste por causa de vários problemas acumulados e me levou (de pijama!) pra sua, onde tinha pizza quatro queijos, carolina de limão e o quindão que você tinha pedido pra sua mãe fazer só porque sabia que eu gostava. Foi quando você assistiu os três filmes do Rei Leão comigo apoiada no seu braço e não falou nada quando eu comecei a chorar, mas me abraçou e me deixou ficar lá até que tudo passasse.

10. Foi na primeira noite que nós dormimos (mesmo) juntos. Eu fiquei com tanto sono que tava uma versão "David after dentist" só que sem ter ido ao dentista, e você me deu uma camiseta sua e me deitou na sua cama. Eu acordei de madrugada e você estava deitado no chão, porque não queria deitar comigo sem eu dizer que você podia. E aí eu te acordei e te chamei pra cama, e te enlacei pra gente dormir numa pose mais confortável, e você não reclamou das minhas mãos geladas, só colocou por dentro da sua blusa pra elas esquentarem.

11. Foi aquele dia em que a gente tava voltando pra casa depois de passar a tarde tomando sorvete na praça, naquele domingo em que o Kimi ganhou o campeonato de F1 e eu sai de vermelho na rua só pra te pirraçar, mas você viu que eu estava realmente feliz e entrou na minha brincadeira em vez de ficar irritado como sempre. Foram os quatro sorvetes e as quase três horas sentados naquele banco duro de praça, conversando sobre coisas aleatórias, sobre como a gente ia fazer dali pra frente, as ocasionais piadinhas dos velhinhos jogando dominó e o fato de que a gente só saiu dali horas depois, porque tava começando a esfriar e minha blusa vermelha – a única que eu tinha, porque eu não gosto muito de vermelho – era fininha demais e eu já tava ficando gelada. Foi quando você segurou a minha mão e foi comigo até a esquina da minha casa, depois me deu um selinho embaixo da árvore em frente a casa do feirante louco e disse que tudo ia ficar bem e eu acreditei em você.

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