Mini Romance 14 - O Rudolph

Foi só na sétima série que eu fiquei sabendo que as pessoas podiam repetir de ano na escola.
Não, calma. Deixa eu reformular: Que as pessoas podiam repetir de ano na MINHA escola.
E não, eu não estudei em escola pública com aprovação automática - Au contrair, eu estudei em colégio particular e de padres, com média seis e recuperação bimestral.
O problema é que eu simplesmente nunca tinha escutado falar de ninguém que tinha repetido de ano lá apenas por ter notas ruins - uma das meninas do meu ano tinha repetido a segunda série porque tinha sofrido um acidente e passado boa parte do ano letivo internada, então quando ela voltou não dava mais tempo de continuar e repetiu uma série. Pra mim, até a sétima série, eu estudava num colégio com pessoas inteligentes onde eu me destacava por ser mais inteligente.
Até a sétima série.

Na sétima série eu conheci não apenas um, mas QUATRO repetentes. Três meninos e uma menina que tinham repetido de ano por notas ruins e tinham acabado de inaugurar a categoria "Burros" na minha vida. Eu sei que é cretino e errado, hoje eu sei que alguém que repete de ano não é burro e é errado falar isso mas bláblábláblá eu tinha doze anos e QUEM NÃO FOI CRETINO AOS 12 ANOS? 

(caso você não tenha sido, saia daqui. Não o quero)


Enfim. Tinha quatro pessoas "burras" na minha sala e uma delas era o Rudolph.
O Rudolph era uma rena de nariz vermelho um menino loiro, magrelo e de olhos verdes que, de um jeito bem distorcido na minha cabeça, parecia o Chester Bennington do Linkin Park. Ele era péssimo em todas as matérias (burro, lembra?), exceto Matemática e Educação Física, as duas matérias que eu odiava. E PIOR DO QUE ISSO, Rudolph era um insuportável que desafiava os professores e não calava a boca um segundo durante as aulas.

ESSE era o estilo do Rudolph. Puro creme de 2002.


Aliás, se eu posso acrescentar mais um defeito ao rapaz (e eu posso), ele também arrastava um caminhão de merda pela Tamara A, a pessoa que eu mais ODIAVA na escola porque era (novamente, perdoem o meu eu de 12 anos que era escroto pra caramba) uma tremenda biscate (como alguém podia ser biscate aos 12 anos, meu Deus?) e a Tamara B, a segunda pessoa que eu mais ODIAVA na escola porque era uma (ó lá, como eu rotulava as pessoas) uma tremenda maloqueira, arrastava um caminhão de merda por ele.

Eu adorava acompanhar as aventuras desse trio porque a Tamara B gostava do Rudolph, que gostava da Tamara A, que gostava de um garoto X que não interessa pra história e ninguém era feliz nessa história, mas todo mundo era tão RIDÍCULO e pagava tantos micos pra demonstrar que gostavam um do outro (ou que não gostavam) que eu me divertia acompanhando as agruras. Era minha versão de Malhação, só que numa temporada bem ruim com todos os protagonistas detestáveis.

Nessa época eu gostava de um moço que dará um outro mini Romance muito bom (envolve cartas de declaração de amor) e de quem eu parei de gostar sem perceber porque eu dava muito mais atenção para o Rudolph do que pra ele. QUEM IRIA IMAGINAR, NÉ?

Pois bem. Num dia eu odiava o Rudolph, no outro eu já tava procurando o nome do pai dele na lista telefônica pra fazer a FICHA DO CARA no meu diário (sério...).

Só que eu era nerd, né? E eu era do tipo detestável de nerd, o que não passava cola, o que achava que todo mundo era mais burro que eu, o que fazia cara de "Meu Deus, porque você não vai ali no canto, se enrosca no cadarço do seu tênis e morre?" toda vez que alguém fazia qualquer coisa que não me agradasse - e é claro que NADA me agradava, né? Eu era insuportável.

Como é que eu, nerd, ia me aproximar do garoto burro que eu tinha passado MESES sacaneando? O meu único contato (e minha maior fonte de informações sobre ele na época em que as informações só serviam pra eu dar risada da cara dele) em comum com ele era a menina que sentava atrás de mim na sala e era a dupla dele na aula de informática. Vamos chamar essa menina de Maura.

Maura e eu éramos amigas. Não melhores, porque naquela época minha melhor amiga era a psicopata (de quem eu nunca falei diretamente aqui) e a dela era uma tonta que tinha caído em outra sala. Maura era minha amiga porque a minha amiga e a amiga dela não estavam disponíveis durante as aulas e isso, na sétima série, é um ótimo motivo pra estabeler uma amizade. Ou pareceu.

Enfim...

Maura era minha única fonte de conhecimetno sobre o Rudolph, e LÓGICO que, quando eu percebi que estava gostando dele, foi pra ela que eu corri contar. Então quando ela começou a me bombardear com informações sobre ele eu achei o máximo. E quando ela começou a falar que ele sabia que eu gostava dele eu TAMBÉM achei o máximo (porque eu não ia ter que falar nada - o que era excelente, já que na minha experiência anterior eu tinha feito merda numa tentativa de falar). Quando ela me disse que ele gostava DELA (Maura) ao invés de Tamara A eu não achei tão legal.

Tipo, nada legal.

Nada mesmo.

E quando ela me alimentava com histórias cada vez mais elaboradas e fantasiosas sobre como ele tinha ido até a casa dela no meio de uma tarde apenas porque ele queria vê-la, ou como ele tinha perdido o ônibus pra casa porque ele queria esperar que ela fosse pra casa dela (de perua) pra ela não ficar sozinha, ou como ele tinha comprado um bombom pra ela e mandava beijinhos na sala de aula na direção dela quando eu não tava vendo. Ou como Tamara B a tinha empurrado na escada na volta do intervalo simplesmente porque SABIA que Rudolph estava gostando dela. Nada legal. Nadinha.

Vale lembrar aqui que eu tinha doze anos, tá? Se eu não tenho inteligência emocional HOJE não dava pra esperar nada de mim naquela época.

Eu entrei numa bad profunda porque o menino que eu gostava estava gostando DA MINHA AMIGA. E achei que tinha alguma coisa a ver com punição divina porque no ano anterior isso tinha acontecido invertido, com o menino que minha amiga gostava gostando de mim. Era punição. Eu tava sendo punida por um negócio que eu não tinha culpa!! A vida era horrível.

Mas a vida seguia, né?

Eu ouvia cada vez mais Maura me contar que Rudolph e ela estavam virando amigos e que ela vivia falando de mim, mas que ele sempre pedia pra parar de falar porque ele se sentia mal por não gostar de mim e aí eles mudavam de assunto pra falar de Linkin Park, de como ela (Maura) era linda e etc etc etc e aí ela falava pra ele parar, porque isso me deixava mal e eles agiam apenas como colegas de sala na escola. Ó. VIDA. CRUEL. Tudo isso acontecendo e eu querendo chorar de tristeza ouvindo Avril Lavigne. Tão horrível ter 12 anos.

E na escola a Maura e o Rudolph eram realmente amigos, ele realmente enchia o saco dela e se falavam eventualmente, principalmente porque eram dupla na aula de informática, né? Eu também falava com minha dupla (o Tadeu, o menino mais bonito da sala e pra quem eu não dava a menor bola), normal.

Bom... Se EU tivesse pensado que era normal duas pessoas que fazem dupla na aula de informática as coisas teriam dado mais certo.


Eu passava as tardes no telefone, ora com a Maura, ora com a minha melhor amiga psicopata. Naquela época eu só tinha um aparelho de telefone em casa, que ficava na cozinha, mas tinha um fio compridão que ia até a sala. Então eu pegava o fone, sentava atrás do sofá e passava um tempão gastando OS PULSOS do telefone. A maior modernidade da época era a linha dupla, que você conseguia atender uma chamada mesmo estando em uma. Na minha casa a gente tinha isso e na da Maura também, então era comum que eu ficasse faladno a psicopata e com a Maura AO MESMO TEMPO, intercalando 5min com cada uma. Era bem organizado, se eu for parar pra pensar... Daí geralmente na outra linha de Maura quem ficava era Rudolph, de modos que Maura falava comigo e com Rudolph e eu falava com Maura e Psicopata. Rudolph teoricamente não sabia que Maura estava falando comigo também. Teoricamente. Maura me dava todas as infos sobre Rudolph e as agruras da Tâmaras, da paixão que ele tinha por Maura e de como ele tinha se desiludido com Tamara A porque ela era diferente, não era popular, dava mais atenção pra ele e blábláblá... Ah, como era horrível saber que o cara por quem eu arrastava um caminhão de merda arrastava um caminhão de merda pela minha amiga... Eu quase desenvolvi uma simpatia por Tamara B. Quase.

Ai fiquei nessas de intercalar ligação por um tempo até tomar vergonha na cara e decidi que eu precisava desencanar de Rudolph DE UMA VEZ POR TODAS porque não tava dando conta de sofrer por um cara e tinha começado a achar que a Maura tava gostando dele também e se prendendo por minha causa e eu não queria ser a filha da puta que ia atrapalhar a felicidade de um casal, né? Eu era escrota, mas naquela época ainda tinha um pouco de romantismo em mim.

Como é que se desencana de alguém? Vocês sabem? Pra mim, naquela época, por conhecimento prático, eu sabia que só me declarando e tomando um não nas fuça. E foi o que eu fiz. Olha, eu vou contar pra vocês como foi e vocês tirem as próprias conclusões, ok?

Naquela época, em 2002, o único jeito de você descobrir o telefone de alguém era ligar no 102 e dar o nome completo ou endereço, ou olhar na Lista telefônica. O 102 só servia se você TINHA o nome completo e/ou endereço, que você conseguia descobrir olhando na lista telefônica... Então era um serviço meio repetitivo... Eu tinha lista telefônica, então procurei o sobrenome dele na agenda, só tinha uns três (é um sobrenome gringo, mas não dos comuns)... E tinha o endereço também, mas só dois deles ficavam num caminho possível pro ônibus que o Rudolph pegava pra ir embora, então um foi excluído. Pra eu saber DE VEZ qual deles era vi no diário da sala num dia pós reunião de pais e mestres o nome da pessoa que tinha assinado a presença como pai ou responsável dele e comparei com os nomes que tinham sobrado da lista. Bingo.

Dessa forma eu tinha o nome completo do pai dele, o endereço e o telefone. Juntei com o fato de que eu sabia que ele ficava sozinho em casa em alguns dias da semana, me enchi de coragem e decidi que num dia X eu ia ligar pra ele e me declarar.... Por telefone.

Há.

Numa tarde que se encaixava nesse padrão eu liguei pra Maura e, como sempre, começamos a falar sobre Rudolph. Mas eu não contei pra ela que ia ligar pra ele, é claro. Quando juntei coragem pra ligar pro Rudolph (eu só tinha ligado pra ela pra manter a rotina e pegar inspiração pra ligar pra ele) menti pra ela dizendo que ia ligar pra Psicopata e era pra ela esperar na linha.

Liguei.

O pai dele atendeu.

Pedi pra falar com ele e disse que era uma amiga da sala dele. 

O pai dele passou a ligação.

E agora eu vou quotar o meu diário com a conversa:

"e ai eu só falei oi e falei que eu tava ligando pra falar que eu gostava dele mesmo sabendo que a Maura já tinha falado pra ele e ele já sabia, mas eu tava ligando pra falar pra ele saber mesmo, sem dúvidas, porque era pra gente parar de ter dúvidas e vai que ele não tinha acreditado e poxa, a Maura tava falando a verdade e ele precisava saber! ai eu falei "ah, a Maura te falou que eu gosto de você, né?" e ele "hmm" e eu "pois é, né? eu gosto mesmo? rsrsrs vc ia acreditar? eu só liguei pra te falar isso mesmo, tá? tchau, a gente se vê amanhã na sala" e ai ele "beleza" e desligou.... aiiiii, diario, ele não gosta de mim mesmo, se ele gostasse ele ia falar algo além de beleza, né? ai como é triste, eu vou deixar de gostar dele, juro por Deus"


Aí desliguei a ligação com o Rudolph, voltei pra da Maura e só falei "preciso ir porque minha mãe quer usar o telefone" e desliguei com ela também. Provavelmente fui chorar na cama e escrever no diário. hahahaha

Mas vamos aqui recaptular. Até então eu:
1. Tinha passado o começo do ano letivo sendo escrota com o menino porque eu o achava burro por ter repetido de ano;
2. Tinha começado a gostar dele DO NADA e escondido isso de todo mundo, menos da minha amiga da sala que;
3. Nunca tinha trocado mais do que três palavras por interação com o Rudolph, sendo que a interação era quase sempre "Posso sentar aí?" sendo o "aí" o lugar dele na sala de informática.
4. Era dupla dele na aula de informática e vivia me contando que ele era apaixonado por ela. Tipo... Perdidamente.

Ah, sim. VIVIA ME CONTANDO, né?
Porque veja bem.... THE PLOT THCIKENS!

Só fui contar pra Maura da ligação e da declaração no dia seguinte na ligação pós escola e fiz contando como se ela já soubesse, já que imaginei que Rudolph ligaria pra ela pra contar. Acontece que ela não sabia. Óbvio. E ficou LOUCA. "Como é que você faz isso sem falar comigo?" "Ah, meu Deus! Você deveria ter me falado, agora eu vou ter que ligar pra ele e perguntar" e etc etc etc. Nessa hora eu já tava toda "AH, FODA-SE, FAZ O QUE VOCÊ QUISER, EU JÁ TOMEI UM FORA MESMO, ELE DISSE BELEZA" e caguei pro que ela tava falando. Só terminei o dia e ignorei que Tamara B estava fazendo telefoninho com a mão e falava "ENTÃO, VOCÊ JÁ SABE" toda vez que eu chegava perto dela, do Rudolph ou do grupo do fundo. Que seja, a vida era terrível e isso seria bom pra eu superar de vez.


Avril Lavigne "I'm with you" tocando melancolicamente ao fundo.


Naquela tarde, como era rotina, Maura me ligou pra contar que Rudolph tinha ligado pra ela e falado que ele tinha ficado surpreso por eu ter me declarado. E aí quem ficou surpresa fui eu porque.... COMO ELE IA FICAR SURPRESO SE ELA JÁ TINHA CONTADO PRA ELE QUE EU GOSTAVA DELE?
A menos que...

Ela não tivesse contado.
Eles não se falassem tanto como ela dava a entender.
Ele não ligasse pra casa dela frequentemente como eu acreditava.
Eles não fossem amigos.
Ele não gostasse dela.
ELA TIVESSE MENTIDO PRA MIM PRATICAMENTE O ANO INTEIRO.




Você pode dizer agora que era meio óbvio já que, na escola, eles nunca se falavam EXCETO na aula de informática. Você pode me dizer que eu fui trouxa porque COMO É QUE ELE IA PRA CASA DELA SENDO QUE ELE MORAVA NUM BAIRRO, ELA NO OUTRO E A GENTE TINHA 12 ANOS? Você pode me dizer que eu fui ingenua porque Maura era feia e mais nerd que eu, Rudolph era popular e aos 12 anos ninguém está preocupado com a BELEZA INTERIOR. Você pode me dizer que a coisa mais bizarra disso tudo foi eu ter feito uma epopéia pra pegar o telefone do cara e ter sido a maior stalker e... Ok. Você está certo. 

Porque era meio óbvio mesmo. Mas você que está lendo não tem 12 anos e provavelmente já tomou no cu com "amizades" vezes suficientes pra saber quando a pessoa não é AMIGA de verdade. Mas pra mim foi a primeira vez, né? Só ficou óbvio depois que eu analisei as coisas e criei armadilhas pra pegar a Maura na mentira, tipo dizer que eu tinha ligado pra ele de novo (coisa que eu não tinha feito) e falado pra ele deixas as coisas como estavam, no que ela FINGIU que ele tinha ligado pra ela e dito que era melhor mesmo porque ele gostava dela e não de mim e não queria que eu sofresse.

Ahã.

"Ah, Beatriz... O que você fez depois?"

O QUE EU FIZ?  VOCÊ QUER SABER O QUE EU FIZ?
Bom... 
Eu fingi que nada tinha acontecido.
Eu terminei aquele ano letivo me fazendo de amiga da Maura, fazendo de conta que eu não via Tamara B me sacaneando e ignorando a existência de Rudolph.
No ano seguinte eu cai em sala separada de toda essa moçada e conheci o Amarelo
Mas o Rudolph continuou na minha vida, e um ano depois uma amiga minha se apaixonou por ele - o que despertou o meu lado mais idiota e maloqueiro ever... Mas essa é uma história pra outro dia.

Comentários

Felipe Fagundes disse…
MORRENDO COM A MAURA HAHAHAHAHAHAH

Gente, eu amo seu blog. Acho que já é meu blog favorito <3